quarta-feira, 1 de abril de 2009

SHALL THE SPIRITS FORGIVE ' EM

Prelúdio - Journal Entry #000

A cada 10 anos, durante o solstício de inverno, aconteciam as festividades do Grande Espírito. Durante os anos que antecediam as festividades, xamãs e druidas de várias tribos esqueciam suas diferenças pessoais e se reuniam periodicamente para descobrirem o local onde ocorreriam as festividades da década. Sim, descobrirem, pois o local nunca era escolhido por eles, mas apontado pelos astros e sussurrados pelos espíritos a serviço da Dama Esmeralda.
Fatidicamente, naquela década, os espíritos apontaram uma inóspita região conhecida como Vale do Rio Arenoso como o local propício para sediar o festival.
Duas semanas antes do primeiro dia de solstício, chegaram ao vale os anões do clã Martelo de Pedra, uma tribo de anões que, muitos anos antes de Hammefast ser fundada, se separou de seus irmãos da montanha e foram viver nas verdejantes florestas de Timberwold. Depois deles chegaram os goliath da tribo do Urso, vindos das Fendas dos Nômades; as tribos humanas de Winterbole; os elfos de Treesay Heaven; e os selvagens da tribo Garras Afiadas. Outras delegações de tribos, vindas das mais diversos pontos de Tanyr Norte, também se juntaram as primeiras. Uma a uma foram levantando acampamentos em torno do vale e os preparativos das festas começaram a ser providenciados.
Ao raiar do primeiro dia do solstício de inverno os jogos começaram. As tribos competiam entre si, apresentando seus campeões. Todas as diferenças que foram construídas naqueles dez anos eram completamente esquecidas naquele momento. Os competidores engajavam em desafios de força, velocidade, destreza e habilidade. Os druidas e xamãs organizavam os cânticos e orações. As tribos dançavam, bebiam e comiam sob as bênçãos do Grande Espírito. Melora e a Dama Esmeralda sorriam para todos eles.
Mas Erathis não devia estar em um bom dia. Porque ao sul do Vale do Rio Arenoso se erguia uma cidade construída sob o augúrio de um antigo reino. Construída a mais de 100 anos no topo da colina da Pilha dos Ossos, Kedalwick é uma cidade de sobreviventes. Seus habitantes aprenderam a viver sob a proteção de seus muros, e foram moldados pelo medo ensinado pelos diversos ataques que sofreram ao longo dos anos pelos humanóides monstruosos que habitam os ermos da região.
Quando os rumores da formação de um grande exército ao norte de Kedalwick chegaram aos ouvidos do Primado da cidade, a população de Kedalwick entrou em pânico. Batedores foram mandados ao Vale do Rio Arenoso para confirmarem a notícia e o que viram os fez tremer. Centenas, talvez milhares de homens selvagens e monstros, armados com seus martelos, clavas e lanças, praticando exercícios militares, enquanto bebiam e, provavelmente, festejavam antecipadamente os futuros espólios da invasão. O sino de Kedalwick soou convocando a milícia. As duas antigas catapultas foram retiradas do armazém, e o Primado marchou à frente de seus homens em direção ao vale.
Após o primeiro dia de competição, os homens e mulheres das tribos de Tanyr Norte fizeram uma grande festa. Amizades foram construídas e garrafas esvaziadas. Um segundo tipo de competição começou, e as canecas eram completadas e esvaziadas numa velocidade que deve ter deixado orgulhoso o espírito do guepardo que por ali vagava.
A lua já estava alta quando a corneta soou. Duas bolas de fogo riscaram os céus até se alojarem no centro do acampamento da tribo do Urso, rolando sobre as barracas, consumindo homens, mulheres e crianças. Os homens bêbados de sono, cansaço e cerveja corriam em busca de suas armas. A turba brilhante desceu a encosta com fúria, iluminada pelo clarão das flechas.
Godgedémed acordou com o clamor da batalha - ao seu lado, Stalla chorava. Pegou sua arma e puxou sua amada para fora da tenda. Correu desesperado a procura de sua família, mas só encontrou o irmão de Stalla, Kavaki, que havia se ferido no fogo. Já podia ouvir o tilintar das armas e os gritos de agonia. Deixou Stalla sob a proteção do cunhado e partiu para o front da batalha. Um homem brandiu a espada em sua direção almejando seu peito. Godgedémed desviou do golpe e cravou a ponta de sua picareta no crânio do infeliz. Mais um inimigo apareceu interrompendo seu caminho às linhas de defesa que pateticamente se formavam ao longe, e depois outro e mais outro. Godgedémed encontrava-se cercado e buscou a ajuda do espírito da pantera. Partiu cego para cima de seus inimigos, destroçando braços, pernas e troncos. Uma flecha acertou-o no ombro, mas ele ignorou a dor. Outra flecha perfurou sua carne, agora na perna, fazendo seu joelho se dobrar. Viu-se a mercê de seus algozes e preparou-se para ser recebido pelo Grande Espírito no salão de Jade, mas o golpe mortal não veio. Ao invés da lâmina de uma espada, o que viu foram altos espinhos de pedra brotando furiosamente do chão a sua volta. Magicamente, os espinhos evitaram apenas ele, enquanto perfuravam as entranhas dos homens a sua volta. Uma mão se estendeu oferecendo apoio e Godgedémed a aceitou, prontamente reconhecendo seu dono, Aghro Stonehammer. Havia conhecido Aghro durante as festividades do dia. Era um anão jovem, forte e robusto, aprendiz dos guardiões de Timberwold, e o filho mais novo do xamã da tribo Martelo de Pedra que, pela manhã, havia lhe presenteado com sua nova picareta como forma de honraria pela sua habilidade em combate.
Aghro era rudimentar no trato social, mas nada diferente do que a maioria dos homens que dedicam sua vida à proteção dos ermos. Taciturno, coberto de peles e couro mal trabalhados e sempre com seus cabelos e barba castanhos emaranhados, Aghro facilmente poderia ser confundido com uma fera da floresta, se não fosse pelo escudo de madeira e o martelo de pedra que brandia com precisão enquanto lutava.
Aghro quebrou a ponta da flecha que atravessava a perna esquerda de Godgedémed e a retirou, imediatamente estancando o sangue do goliath com uma bandagem improvisada. Garantiu que o gigante estava em condições de batalha e juntos partiram para o centro do massacre.
Guerreiros de todas as tribos avançavam contra as linhas inimigas com selvageria. Druidas em suas formas animais lutavam ao lado das forças tribais. Sunkha, o líder da tribo dos Guarras Afiadas pulou à frente visando abrir uma fenda entre os escudos inimigos, tentando assim, recuperar alguma vantagem para as forças tribais que estavam sendo sobrepujadas. Foi engolido pela turba inimiga e arrastado para longe dos seus. Um grande tigre branco urrou.
Godgedémed e Aghro Stonehammer se juntaram aos tribais, tomando parte da luta ensandecida. Os minutos pareceram horas. Lanças, espadas e martelos desferindo golpe atrás de golpe. Escudos e cabeças sendo despedaçados. Flechas e virotes zunindo em suas orelhas.
Uma lança com destino certo ao coração de Aghro foi interceptada pelo tigre branco que caiu ferido, retornando a sua forma humanóide. O exército inimigo avançou fazendo as forças tribais se separarem e recuarem. Fugirem.
Aghro carregou o corpo inerte do selvagem que o protegeu durante toda a retirada. Não importava se estava morto, aquele Garra Afiada teria um funeral apropriado.
Parte dos tribais andou por léguas até conseguirem refúgio sob a proteção da floresta de Timberwold. Curaram seus feridos e choraram seus mortos. Longos dias se passaram até que uma a uma as tribos começaram a retornar para seus lares. Muitos juraram vingança contra Kedalwick, outros rogaram apenas para que os espíritos os permitissem esquecer aquela noite.
Os sobreviventes da tribo do Urso que ali estavam se prepararam para partir, mas não Godgedémed. Este resolveu ficar entre os anões de Timberwold. Não podia voltar para casa, não sabendo que parte da vigília da noite nos limites do acampamento das festividades deveria ter sido sua e não de seu irmão, que a fez em seu lugar e nunca retornou da batalha.
Nenhum Garra Afiada rumou para Timberwold. Talvez todos tivessem perecido na batalha, talvez sido capturados, não era possível dizer. O único sobrevivente dos selvagens foi aquele que Aghro carregou e que, afinal, não estava completamente morto.

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Os olhos de Belkar Blackmore estavam fixos no casebre. Pensava ser aquela a última vez que veria aquele que fora seu lar pelos últimos 8 anos. Tinha que decidir para onde ir, mas ainda não tinha certeza. Considerou mais uma vez rumar em direção ao Vale do Rio Arenoso, mas considerou que nunca conseguiriam chegar a tempo das festividades do solstício de inverno. Eles teriam que ter partido há pelo menos uma semana – e o teriam feito caso a enfermidade do Velho não tivesse se agravado tanto – para conseguirem participar dos primeiros ritos do festival. “Só daqui a dez anos” – divagou consigo mesmo, lembrando-se da expectativa que o Velho criará em sua mente ao longo dos anos. A voz de Goc interrompeu seus pensamentos trazendo-o de volta a realidade.
- Vamos, Bel, temos que ir. O senhor Tanner falou que nos daria uma carona se não nos atrasássemos – disse o gnomo que conhecia Belkar desde pequeno. Quando o Velho o adotou, Goc já vivia por ali. Goc e o Velho eram grandes amigos. O Velho costumava dizer que Goc era um espírito da floresta, mas Belkar nunca acreditou muito nisso, já que aparentemente nem o próprio Goc tinha certeza de suas origens ou passado.
Timberwold parecia um destino válido. Se não podia participar do festival, poderia, ao menos, escutar as histórias através dos anões. Se calculassem corretamente, chegariam a Timberwold logo após o retorno dos Martelo de Pedra, enquanto as histórias ainda estariam frescas e exageradas. Partiram junto a uma caravana mercante que rumava para sul em direção a Fallcrest. Pretendiam passar alguns dias na cidade antes de seguir viagem. Belkar estava ansioso, pois havia estado ali uma única vez ainda quando criança e lembrava-se da beleza da cidade.
Ao descerem da carroça e agradecerem ao velho fazendeiro Tanner, Belkar ficou maravilhado. A cidade continuava tão grande e viva quanto ele se lembrava, mesmo tendo ele próprio crescido alguns bons centímetros desde a última vez que esteve ali. Apesar de seu pequeno porte, se comparada às outras cidades do continente, Fallcrest é sem dúvida a maior e mais próspera cidade do Vale Nentir. Incrustada nas Colinas da Lua, às margens do Rio Nentir, Fallcrest é o cruzamento de todas as rotas comerciais da região.
Nas ruas apertadas, as pessoas passavam apressadas trombando umas nas outras, as vozes dos mercantes se sobrepunham às infindáveis conversas em alto tom de grupos aqui e ali. Belkar apertou forte sua bolsa de moedas junto ao corpo e seguiu caminhando rua abaixo com Goc a seu lado. A fome, sede e cansaço da viagem começavam a incomodar bem quando sentiram o cheiro de comida vindo da Hospedaria Nentir.
Na área comum da hospedaria alguns patronos bebiam e conversavam. Belkar se aproximou do balcão e pediu dois pratos de cozido e cerveja. Entregou um prato e uma caneca pra Goc e se viraram para o salão procurando uma mesa para sentarem. Um rapaz, com idade mais ou menos aproximada a de Belkar, convidou-os para juntarem-se a ele na mesa. Seu nome era Matrim Cauthon e ele vinha de uma cidade litorânea a sudoeste do continente chamada Porto Prata.
Mat, como preferia ser chamado, era algum tipo estranho de historiador, e mostrou um genuíno interesse nas histórias de Goc e Belkar. Ele próprio estava em Fallcrest fazia dois dias, seguindo a trilha de um renomado historiador chamado Douven Staul, que havia desaparecido há algum tempo e fora visto pela última vez a caminho da região do Vale.
Ao continuarem a conversa, perceberam que o destino poderia estar trabalhando naquele exato momento, pois, pelo que Matrim conseguiu levantar nos seus dois dias de estadia em Fallcrest, é que a trilha para Staul agora apontava para a floresta de Timberwold...

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